Me desculpe.Eu sei que não se inicia oração com pronome objeto, mas tudo começou aí, no começo.
Não sou impulsiva, gosto de tudo plnejado, como se você não soubesse e isso não te irritasse profundamente.Fui impulsiva, aconteceu.
Depois de um bom tempo de amizade, de uma paixão mal curada decidi não pensar.Você era meu amigo, um dos melhores, tínhamos tanto em comum.
Tínhamos vidinhas de crianças com futuro, rotinas parecidas, um milhão de compromissos e nos escorávamos um no outro.
Nunca deixei ninguém se aproximar e aquele dia, na quadra, você sabe exatamente do que eu estou falando, ter você do meu lado pareceu tão natural, tão bom, tão tranquilo, tão seguro.
SEGURO.Começo do desastre.
Desculpe me abrigar na porto seguro que você sempre foi.
O que você faria se soubesse que tinha só um ano de vida?Tomaria um porre?Iria mais na igreja?Talvez.Se casaria.Com certeza.
E eu?Bom, eu me mataria de estudar, ficaria noites sem dormir, dançaria até não ter um centímetro sem tendinite.Sou obcecada, você sabe.
Desculpe pr ser obcecada.
Mas tínhamos muito tempo, todo o tempo do mundo, realizaríamos os seus sonhos e os meus sonhos.
Passamos momentos deliciosos, dias quentes, dias frios, vimos muitos filmes, mas assistimos muito poucos, você ia jogar e eu ficava lendo, naqueles tardes no parque que agora parecem pertencer a outra vida.
Lembra quando nos aventurávamos em São Paulo? Que a gente sempre dava um milhão de voltas porque eu queria passat pela Paulista?Lembra que ficava tarde, eu tinha medo, e a gente procurava desesperadamente a Anchieta e quando encontrávamos você sempre dizia que eu não precisava me preocupar.Ou como a gente sempre ia nos cafés?
Eu lembro.
Desculpe por lembrar, é inevitável.
Mas eu sou obcecada e orgulhosa, como se eu dizer isso pudesse te surpreender.Você sempre foi bom aluno e isso me encantava, mas você não era neurótico, bom você sabe o que aconteceu.
Você sabe que eu tinha planos, que eu abdiquei do meu tempo, meus sonhos, meus amigos, minha sanidade e meu estômago por um ideal, ideal que eu não alcancei e que a culpa não era sua.
Eu tinha planos, não deram certo.Você não tinha, você deu certo.
E eu fiquei feliz por você, muito feliz mesmo, eu enchia a boca pra falar das suas conquistas, tinha um orgulho imenso de você.Estava incrivelmente feliz por você, como jamais imaginei.Fiquei incrivelmente triste por mim, como jamais imaginei; Por fim, incrivelmente cansada por tudo, como nunca imaginei.
Mas você me conhece, eu não desisto, tentei te dar apoio como eu pude, me desculpe se tinha o orgulho ferido demais para ser mais útil.Sem problemas, você estudava o dia todo, que orgulho, eu fui tentar de novo, mas precisava dançar e precisava de mais, sempre mais.Comecei a trabalhar como uma louca, descontrolada, não dormia, não comia, sem limites, morava no trabalho.
Aí aconteceu.
Eu fui ficando doente, cada dia mais doente, mais cansada, mais magra, mais fraca, para meu azar, mais obcecada.
Nós tínhamos planos, queríamos (exatamente, queríamos, porque eu fui me empolgando com a idéia, mesmo morrendo de medo) casar cedo, viajar muito, curtir um ao outro.Mas você sabe como essas coisas são, faça a faculdade, trabalhe, junte uma grana e case.
Mas eu sou obcecada, não podia desistir, então entre meu orgulho ferido, o orgulho de você e a obsessão eu fui definhando.
Desculpe por ter ficado doente.
Sempre fui geniosa, mas eu ia morrer e não me preocupava, não comia, não ligava pra mais nada e eu comecei a passar mal, não podíamos mais caminhar a toa de mãos dadas, eu não conseguia andar dois quarteirões, fui ficando esquálida, me escondia dos conhecidos, fiquei muito feia e não me importava.
Você se preocupava comigo, além de tudo isso eu não precisava ter a auto-estima destruída, você ainda dizia que eu era linda, mas eu não era mais a sombra do que já tinha sido.
Desculpe por definhar.
Tudo bem eu dizia, tenho mais tempo pra me dedicar às outras coisas.
Então foi a primeira vez que eu fui parar no Pronto-Socorro, e eu não te disse, quando você me ligou eu disse rindo que tava tudo bem, que eu era praticamente a Miss Soro, já que tinha passado o dia lá.
Você ficou muito bravo, mas me desculpe, eu não queria que pensassem que eu não dava conta.
Eu sempre dou conta, eu me viro.
Então eu não conseguia mais dançar, fui ficando deprimida, passava o dia todo na cama ou no sofá, não conseguia fazer muita coisa mesmo.
Eu dizia que era ótimo, porque eu nem sabia mais o que era ver TV!
Não queria que você se preocupasse, me desculpe por ser assim.
Desculpe por não admitir o quanto eu estava mal.
Então foi o ápice, eu não fazia mais nada, tinha perdido onze quilos e ficava chorando encolhida no sofá o dia todo.E você ficava ali comigo, se oferecia pra me levar pra passear, mas você sabe que mesmo querendo ir e nós íamos muitas vezes, mas não dava pra aproveitar.
Eu fiz a prova, eu e os meus remédios e faltou um tantinho de nada para eu conseguir.
Pois é, FALTOU.
Aí começaram as crises nervosas, as faltas de ar, a destruição compulsiva de livros e revistas que eu estimava, meus pais quase me internaram.
Quando comecei a melhorar você já estava cansado de cuidar de mim, dos meus problemas, dos seus problemas, da sua vida, eu não te dava descanso.Você buscava se distrair com seus amigos, não te culpo, você precisava mesmo se distrair.
E nós fomos nos distanciando, eu continuava com a idéia fixa e isso começou a atrasar seus planos, desculpe, não era a minha intenção, mas eu dediquei a minha vida toda a essa idéia, eu não podia parar assim.
Desculpe por ser teimosa.
Mas tinha aquela paixão mal-curada do começo da história, era um pensamentozinho incômodo, eu não achava justo com você, que tinha se dedicado tanto, eu era uma pessoa ruim, não devia mais pensar naquele assunto, mas pensava.A partir daí eu decidi que tinha que me dedicar mais a você, e foi o que eu fiz, bom, pelo menos tentei fazer, tentei fazer tudo que você me pedia, eu tinha meus limites, ainda tenho, mas fora isso eu me esforcei, juro que me esforcei.
Era o meu jeito de retribuir a sua dedicação, tentei desistir da minha idéia fixa, minha obsessão, mas não consegui, não consegui MESMO.Fiquei desesperada, ia ter que começar de novo, ia atrasar todos os planos, você ficaria furioso!Justo agora que eu estava me esforçando tanto pra me redimir!
Além daquele pensamentozinho, agora isso?!
Desculpe por ainda pensar nisso.
Entre tudo isso eu estava muito estressada com a minha recuperação, a terapia, a fisioterapia, o trabalho (sim, eu voltei a trabalhar, mas comedidamente), a faculdade, a dança e tentando ressarcir você e meus pais por toda a preocupação que fiz vocês passarem.
Desculpe pelas preocupações.
Quando agente tenta agradar todo mundo o que acontece?Você não consegue agradar ninguém, nunca nada era suficiente!
Eu mesma já tinha me perdido nesse redemoinho.Eu tentava agradar os dois lados e passei a optar por fazer coisas que não me agradavam, mas que não causariam novos duelos de titãs.
Desculpe por não saber os meus limites e querer que você soubesse.
Eu não sabia o que fazer, bom eu mudei de escola de dança e larguei a faculdade.Era minha vez de ser feliz e de repente eu quis tudo que tinha perdido, TUDO.Não quis mais fazer aquelas coisas que não gostava só pra te agradar.Quis sair pra viver minha vida e sair pra dançar, que é uma vontade antiga e intrínseca.
Desculpe por querer tudo.
Eu me estressei, joguei tudo pro alto, quis mudar tudo, acabou que o que éramos nós deixou de existir.
Desculpe por acabar assim.
Desculpe-me.